Textos, Tropeços e Pensamentos Quixotescos...

Jornalista. Cinéfila. Neurótica praticante. Aquela que sempre anda com um livro embaixo do braço. Aquela que adora compartilhar bobagens. Uma Dom Quixote fêmea, a combater moinhos de vento...
"Dize o que quiseres, conquanto que suas palavras não visem me atemorizar; assuma o seu medo, se o tiveres, que eu procederei como quem não tem, se for o caso."
(Dom Quixote de La Mancha)

20.2.06

Diálogo sobre TPM

Marido: -O que foi?
Mulher: -Estou de TPM.
Marido: -De novo? Mas você está sempre de TPM.
Mulher: -Não, dessa vez é TPM mesmo Antonio Augusto, de verdade.
Marido: -E das outras vezes, o que era?
Mulher: -Sei lá, pretexto para estar nervosa...
Marido: -Ahn ... E como é?
Mulher: -O que?
Marido: -TPM oras.
Mulher: -Puts, tudo irrita: pessoas, gestos, coisas, barulhos, cheiros...
Marido: -Hum...
Mulher: -Um mau humor desgraçado. Difícil viu...
Marido: -Sei.
Mulher: -Sabe o que?
Marido: -Nada. Quer dizer, não sei, imagino...
Mulher: -Não, você não imagina porque está muito concentrado nesse seu mundinho masculino.
Marido: -Como?
Mulher: -É isso mesmo.
Marido: -Ana querida ... algum problema? Fiz alguma coisa?
Mulher: -Fez. Você finge que entende o que eu sinto só para demonstrar preocupação, mas na verdade não está nem aí.
Marido: -Mas...
Mulher: -Mas o que Antonio Augusto?
Marido: -Nada, vou dormir, estou com sono.
Mulher: -Como assim “vai dormir, está com sono”?
Marido: -É, qual o problema?
Mulher: -Você não liga mesmo pra mim (começa a chorar)
Marido: -Deus do céu, o que eu fiz agora? Está chorando por que?
Mulher: -Só pensa em trabalho, em livros, em jogar futebol, em dormir quando eu quero conversar... Ahhhh!
Marido: -Esse negócio de TPM é complicado mesmo. Tem remédio pra isso?
Mulher: -Tá vendo? Você acha que existe um remédio pra tudo.
Marido: -Deveria existir não?
Mulher: -Você não me agüenta mais.
Marido: -Agüento querida, mas preciso dormir agora, ok?
Mulher: -Mas estava bem acordado, até a hora em que eu cheguei.
Marido: -Pois é.
Mulher: -Vou dar uma volta.
Marido: -Dar uma volta onde? A essa hora da noite?
Mulher: -Sei lá, tomar um ar.
Marido: -Tá, tudo bem, tome cuidado com o carro.
Mulher: -Eu vou a pé.
Marido: -Mas não é perigoso?
Mulher: -É, e daí? Quem se importa?
Marido: -Ok.
Mulher: -Não acredito?! Você não vai me impedir?
Marido: -Não. (pega o travesseiro e se levanta nervoso)
Mulher: -Onde vc vai?
Marido: -Para o sofá
Mulher: -Ahn?
Marido: -S-O-F-Á
Mulher: -Mas por que? O que eu fiz?
Marido: -Deus do céu! O que você fez?
Mulher: -Está estressado com alguma coisa amor? (arrependida)
Marido: -Boa Noite!
Mulher: -Boa noite?
Marido: -Sim.
Mulher: -É só isso que você tem pra me dizer?
Marido: -Não.
Mulher: -Então diga, o que mais?
Marido: -Cala essa boca!

Drummond


Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade

16.2.06

***

"Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
Fernando Pessoa

15.2.06

Dinheiro não é tudo, mas faz uma falta...


... Foi com essa frase que acordei hoje, martelando na minha cabeça, tec tec tec. Nada mal alguns reais na conta e outros no bolso, não? Óbvio que já tive aquela fase Adolescente-Guevara-Petista de achar que o capitalismo cega as pessoas e que o planeta só está esse caos por causa do dinheiro. Até faz sentido. Mas isso era numa época em que eu lia Marx, assistia à minissérie Anos Rebeldes e achava o Lula o Superman tupiniquim. Bons tempos aqueles, em que os discursos inflamados me impressionavam.

Não que eu seja descrente do milagre brasileiro, mas a cada dia me convenço mais de que ele está longe, bem longe.

O fato é que como minha metade revolucionária e socialista anda meio escondida por aí, eu não me importaria nem um pouco em ganhar o acumulado da Mega Sena. Vovô ficou rico apostando na loteria esportiva. Mas depois disso nunca mais se ganhou nada em nossa família. Às vezes tento imaginar qual terá sido a sensação: um dia você é pobre, mora de aluguel e vende alguns vasos para sustentar a família. No outro você acorda rico. Deve ser um prazer inenarrável, indescritível, incomparável, absolutamente incomum. Puts!

De qualquer forma, é preciso ter cuidado, porque em períodos de crise qualquer idéia vira projeto. Não vou negar, já pensei em assaltar um banco, mas me dei conta de que não tenho muito talento para o negócio. Também já me imaginei na praça, vendendo sanduíches, o problema é a concorrência. A idéia mais coerente foi a de fazer monografias e trabalhos escolares. Cheguei até a criar uns panfletos e entregar em alguns lugares, mas ninguém retornou. Enfim, agora estou pensando em ir ao bingo. Sim, é mais prático. Vou lá, aposto 10 paus e pronto. O pior que pode acontecer é perder muito mais. Enfim...preciso amadurecer a idéia.

Mas a questão é: sonhar nunca é demais, de repente vai que um sonhozinho aqui, outro ali acaba se realizando? Claro que não dá pra passar a vida inteira fazendo projetos que não se concretizam. Uma boa dose de perseverança não faz mal a ninguém....

Enquanto isso, aqui na Terra, lá se vai mais um dia na minha vida de assalariada.

14.2.06

O começo de tudo....


Eu estava na segunda série. Um dia a professora Madalena entrou na sala, colocou seu material sobre a mesa, apagou o quadro e disse com seu sotaque mineirinho: "Vou ler uma redação para vocês." Não me recordo o tema, mas sei que logo nas primeiras linhas senti meu rosto ruborizar. Nunca ninguém havia me exposto daquela maneira. Enfim, lá estava eu, no auge de meus 8 anos de idade, diante de uma classe de cruéis coleguinhas, ouvindo a professora que eu amava (principalmente porque ela se parecia com minha avó), divulgar meus pensamentos infantis mais secretos... assim... sem pedir. Acabada a leitura, todos bateram palmas e alguns riram, principalmente a turma de repetentes do fundão. Fiquei triste, magoada, quase chorei, mas a professora ficou tão orgulhosa da minha redação que logo comecei a curtir a idéia.

Só mais tarde entendi que essa redação foi o primeiro sinal para aquilo que eu só saberia alguns anos depois: meu negócio era escrever. Uma descoberta cheia de paixão e dedicação. E assim, sem que eu percebesse, fui tomada por uma incrível novidade: viver em outros mundos, imaginar-me outras pessoas, criar personagens.

Minha “produção literária” aumentou consideravelmente quando ganhei uma máquina Olivetti de minha mãe. Ela comprou à prestação, em uma dessas lojas que vendem de tudo e com carnês a perder de vista. Então eu ficava para cima e para baixo com a minha Olivetti, tac, tac, tac. Surgiram diários, poesias, crônicas, peças de teatro...uma infinidade de palavras, frases e versos recheados de expressões que eu não sabia direito o que significavam, mas achava o máximo.

Os primeiros gurus surgiram ainda na adolescência: Hélio Damante e Professora Lourdinha. Hélio Damante era um jornalista aposentado, que tinha histórias lindas para contar, do tempo em que farmácia se escrevia com ph. Ele era filho de um dos fundadores da cidade de Bom Jesus dos Perdões, interior de São Paulo, onde minha avó-guerreira-Elvira concebeu minha mãe, meus tios e cultivou como uma leoa, até o fim da vida, a família Bueno. E era em um casarão, na rua da matriz, que eu e o senhor Hélio passávamos tardes inteiras na varanda, lendo artigos dos jornais e conversando sobre a profissão. Foi por sua culpa, inclusive, que meus primeiros textos tornaram-se publicáveis no jornal local. A casa ainda está lá, mas ele não mais. Ainda hoje, quando me lembro do senhor Hélio sentado em sua velha cadeira de balanço, bate uma saudade!

A professora Lourdinha eu conheci na 5º série, já em São Paulo. Ela lecionava português. Quando descobriu que eu gostava de escrever encheu minha cabeça de idéias, me inscreveu em concursos de redação da rede pública e mais tarde convidou-me para organizar com ela a biblioteca recém inaugurada da escola. Foi com ela que aprendi a gostar de Drummond e outros escritores bacanas. Fui uma das poucas alunas a freqüentar sua casa e receber cartões de natal. Ela tornou-se uma referência. Depois que saí dessa escola nunca mais nos vimos, mas a imagem daquela senhorinha de cabelos brancos e palavras sábias nunca mais saiu da minha cabeça e do meu coração.

Foi assim que ao concluir o segundo grau, enquanto meus amigos se desesperavam com suas escolhas para o vestibular, eu já sabia exatamente o que queria. E essa certeza motivou-me a fazer das tripas coração para cursar uma universidade.
O diploma não vale tanto, mas a certeza, apesar de tudo, ainda é a mesma.